Brasao TCE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
GABINETE DA 5ª RELATORIA

   

11. VOTO Nº 43/2023-RELT5

11.1. Cuidam os autos de recursos ordinários interpostos, individualmente, pelas senhoras Eliane Inácio da Silva, Diretora de Compras à época (autos nº 8632/2022), e Elaine Negre Sanches, Superintendente de Administração e Logística Especializada à época (autos nº 8.774/2022), ambas da Secretaria de Estado da Saúde, em face do Acórdão nº 448/2022-TCE/TO-Primeira Câmara, prolatado nos autos do processo nº 10.772/2018 (Inspeção), que acolheu o Relatório de Inspeção nº 01/2019, referente ao Contrato nº 92/2018, bem assim aplicou multas individuais às recorrentes, que, somadas, perfazem a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a cada uma.

11.2. Em sede preliminar, importa conhecer dos recursos aviados, de vez que preenchidos os requisitos de admissibilidade consignados no art. 46 e seguintes da Lei nº 1.284/2001 c/c art. 228 e seguintes do RITCE/TO.

11.3. Convém assinalar, a tal respeito, que nada obstante a designação incorreta da modalidade recursal, no caso da recorrente Elaine Negre Sanches – pois que manejado Pedido de Reconsideração, cujo cabimento remete a decisões originárias do Tribunal Pleno – é de se aderir ao entendimento exposto pela Presidência no âmbito do Despacho nº 1.334/2022-GABPR, no que concerne à possibilidade de incidência da fungibilidade, a fim de conhecer do nominado Pedido de Reconsideração como Recurso Ordinário, mormente porque atendidos os pressupostos de aplicabilidade do princípio, bem assim observado o prazo de interposição vertido no art. 229 do RITCE/TO.

11.4. Superadas as questões prefaciais, depreende-se do Acórdão recorrido que as impropriedades que renderam ensejo ao desfecho de mérito desfavorável às recorrentes disseram respeito a “irregularidades detectadas na celebração e execução do Contrato nº 92/2018”, objeto da inspeção, firmado com a empresa Sancil Sanantonio Construtora e Incorporadora Ltda., nos moldes do item 2.2 do Relatório de Inspeção nº 04/2019. Essas irregularidades, cuja especificação consta dos itens 9.3, 9.4 e 9.5 do Acórdão, podem ser assim sumarizadas, com amparo no citado Relatório de Inspeção:

  1. Instruíram o processo e julgaram a proposta, sem cumprir a regra do Termo de Referência (item 4.3) que trata da metodologia da execução dos serviços (letra v); foram favoráveis à contratação de empresa que não demonstrou a capacidade para executar os serviços (item 2.2, letras “b” e “c” do relatório);
  2. O alvará de funcionamento da empresa e o alvará sanitário (págs. 344 e 348) descrevem que a atividade principal da empresa é a coleta de resíduos não perigosos. A empresa não poderia ter sido contratada para a coleta de resíduos de serviços de saúde (item 2.2, letra “d”).
  3. A empresa contatada não cumpriu a cláusula 6.1 do contrato, ou seja, não apresentou o comprovante de prestação de garantia correspondente ao percentual de 5% do valor total do contrato, podendo ser caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária (item 2.2, letra “f”).

11.5. Convém registrar que se trata, originalmente, de processo de inspeção (in loco) instaurado por determinação da Resolução nº 526/2018-TCE/TO-Pleno, na Secretaria da Saúde do Estado do Tocantins, tendo como foco específico o Contrato Administrativo nº 92/2018 (processo nº 4.177/2018), celebrado com a empresa Sancil Sanantonio Construtora e Incorporadora Ltda., em 07 de agosto de 2018, cujo objeto compreendia a prestação de serviços de coleta, acondicionamento, tratamento, transporte e disposição final dos resíduos de saúde, no valor mensal estimado de R$ 315.241,02 (Lote I) e R$ 242.571,39 (Lote II). Empreendida a fiscalização em campo, a equipe técnica exarou o Relatório de Inspeção nº 01/2019, por meio do qual apontou a subsistência de irregularidades concernentes à celebração e execução do referido contrato.

11.6. Procedida a contextualização da controvérsia, passo ao exame individualizado das razões atinentes aos recursos submetidos à análise. Em relação à recorrente Eliane Inácio da Silva, deduz-se de sua peça recursal os seguintes argumentos: (i) não houve pagamento relativo à contratação, tendo a atuação da recorrente se circunscrito, como Diretoria de Compras à época, à cotação dos valores de mercado das aquisições, que fora realizada dentro de parâmetros razoáveis, pois que não se detectou sobrepreço; (ii) não se insere dentre suas atribuições funcionais a decisão final a respeito da contratação, tampouco a avaliação de características técnicas do serviço contratado e; (iii) destaca que a contratação fora amparada por pareceres emitidos pela Superintendência de Assuntos Jurídicos da Pasta, pela Controladoria-Geral do Estado, e pela Procuradoria-Geral do Estado.

11.7. Neste tocante, sopesadas as alegações em sede recursal, mormente porque deixara a recorrente de apresentar manifestação de defesa por ocasião do processo de conhecimento (Inspeção), incidindo por isso os efeitos da revelia (cf. Certidão 678/2019, evento 100, dos autos nº 10.772/2018), entendo que o apelo merece provimento, em linha à compreensão uníssona externada pela unidade técnica (Análise de Recurso nº 246/2022) e pelo Ministério Público de Contas (Parecer nº 58/2023).

11.8. A tal propósito, como bem asseverado pelo Parquet de Contas, a incidência da revelia no processo vestibular não conduz à impossibilidade de manifestação superveniente, ainda que em sede recursal, máxime quando apresentados “esclarecimentos hábeis a formar um novo juízo de convencimento e, portanto, capazes de alterar parte do mérito do processo”, a teor do que dispõem os artigos 211, parágrafo único e 219, caput, do RITCE/TO.

11.9. No caso sob exame, as justificativas declinadas pela recorrente permitem afastar a responsabilidade que lhe fora atribuída, porquanto evidenciam a inadequação do nexo de implicação firmado na decisão impugnada quanto às irregularidades descritas nos itens 2.2, letras “b”, “c”, “d” e “f” do Relatório de Inspeção. Isso porque logrou demonstrar não ter concorrido para a materialização dos vícios que deram ensejo ao juízo condenatório, uma vez que o plexo funcional referente ao cargo ocupado pela recorrente à época (Diretora de Compras) não abrangia a análise de qualificação jurídica e capacidade técnica da empresa no processo de contratação, razão porque não procede a imputação de falhas concernentes à “contratação de empresa que não demonstrou a capacidade para executar os serviços”, à “inconsistência da atividade principal da empresa que constam dos alvarás de funcionamento e sanitário” e ao “descumprimento de cláusula contratual relativa à prestação de garantia pela contratada”.

11.10. Pertinente, mais uma vez, aludir à opinião do Ministério Público de Contas, consubstanciada no Parecer nº 58/2013) a reforçar a compreensão ora adotada:

[...]

10.2.9. Ao analisar o Termo de Referência que deu origem à contratação da empresa SANCIL SANANTONIO CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, por meio da dispensa de licitação – constante no evento 89 – Processo nº 10.772/2022 – verifica-se que as áreas técnicas solicitantes do serviço foram a Superintendência de Administração e Logística Especializada, Superintendência de Unidades Próprias, Superintendência de Vigilância, Promoção e Proteção à Saúde e Superintendência de Políticas e Atenção à Saúde, sendo, portanto, cabível aos seus responsáveis a análise da qualificação e capacidade técnica da empresa antes da efetivação da contratação, bem como a verificação do cumprimento das obrigações nele previstas.

10.2.10. De acordo com o Regimento Interno da Secretaria da Saúde, publicado no Diário Oficial nº 5.930, de 17 de setembro de 2021, são atribuições da Diretoria de Compras, nos termos do art. 146:

Art. 146. À Diretoria de Compras, unidade organizacional diretamente subordinada à Superintendência de Aquisição e Estratégias de Logística, compete:

I – gerir os processos de compras públicas da SES-TO;

II – promover o controle das compras públicas da SES-TO;

III – promover a pesquisa dos preços de mercado das aquisições da SES-TO; e

IV – exercer outras atividades correlatas.

10.2.11. Desse modo, restou comprovada a ausência de responsabilidade da Sra. Eliane Inácio da Silva, quanto às irregularidades apontadas no Acórdão nº 448/2022-TCE/TO-Primeira Câmara, que resultaram na aplicação de penalidades.

11.11. Cuida-se, portanto, de defeito consistente na matriz de imputação da responsabilidade, de vez que a recorrente não concorreu para a perpetração das irregularidades que suportaram a condenação, porquanto as condutas ensejadoras não compõem o espectro de funções que lhe são pertinentes.

11.12. No que diz respeito à recorrente Elaine Negre Sanches, retira-se da peça recursal interposta (autos nº 8.774/2022), conforme registro no relatório, os seguintes argumentos: (i) haver se tratado de contratação emergencial, ante a iminência de encerramento do contrato então vigente e a paralisação prolongada do processo licitatório, rogando pela aplicação do princípio da primazia da realidade, consubstanciado no art. 22 da LINDB; (ii) ter demonstrado a recorrente diligência na condução do processo de contratação, observando as normas vigentes e o termo de referência; (iii) ressalta a consecução de vantajosidade na contratação, de vez que a empresa contratada oferecera proposta com os menores valores para os itens adjudicados; (iv) o contrato em questão foi rescindido sem pagamento, de modo a afastar prejuízo ou qualquer hipótese de dano à administração; (v) sobreleva a presunção de veracidade dos documentos concernentes aos atestados de capacidade técnica que suportaram a contratação da empresa; (vi) constar da ficha cadastral e do contrato social da empresa contratada, como atividade econômica secundária, a coleta e o transporte de resíduos perigosos, afastando a impropriedade concernente à inadequação da atividade principal (coleta de resíduos não perigosos); (vii) não ser a Superintendência de Administração a área competente pela solicitação e conferência da documentação [relativa à prestação de garantia] previamente à assinatura do contrato; e que tão logo o processo aportou no órgão, a recorrente observou a ausência de documentações imprescindíveis e emitiu as devidas notificações.

11.13. Bem de ver, em primeiro plano, que o voto vencedor referente ao Acórdão nº 448/2022-TCE/TO-Primeira Câmara, tomou em conta a inexistência de danos econômicos ao erário público, haja vista a rescisão da avença sem que a empresa tenha recebido contrapartida pecuniária relativa ao Contrato nº 92/2018, embora tenha ocorrido danos ambientais constatados pelo Naturatins e pela Vigilância Sanitária de Araguaína, em decorrência do descarte inadequado de resíduos de serviços de saúde.

11.14. Com efeito, diferentemente da orientação assentada no caso da recorrente Eliane Inácio da Silva, não se cogita da exclusão de responsabilidade da senhora Elaine Negre Sanches em razão da atribuição de irregularidades derivadas de condutas que não integravam o seu quadro de competências funcionais, pois que ocupava, à época, a chefia da Superintendência de Administração e Logística Especializada da pasta, responsável pela elaboração do Termo de Referência e análise do Plano de Emergência do Transporte de Resíduos Perigosos. Assim, cabia-lhe, no âmbito da contratação sob análise, a avaliação das exigências de qualificação técnica necessárias para a comprovação de aptidão para realização dos serviços adjudicados, à luz dos requisitos constantes do Termo de Referência.

11.15. Todavia, entendo que outro fundamento ampara a procedência do recurso a fim de afastar a responsabilidade da recorrente. É que, sem embargo do mencionado dever de averiguação do preenchimento de requisitos técnicos para a contratação (por dispensa, no caso em apreço), a recorrente, embora possa-se dizer tardiamente (no que anuo ao entendimento do Ministério Público de Contas, cf. item 10.3.15 do Parecer), empreendeu esforços no sentido de alertar as instâncias competentes quanto à ausência de apresentação dos documentos técnicos aludidos no Termo de Referência, que viriam a culminar na paralisação e subsequente rescisão do contrato administrativo.

11.16. Conquanto não tenham logrado evitar de todo a concretização de danos ambientais oriundos da disposição irregular de resíduos dos serviços de saúde (uma vez que o contrato já havia sido firmado e parcela dos serviços executados), as notificações emitidas pela recorrente, de um lado, viabilizaram a exigência da documentação faltante, cuja omissão deu ensejo à rescisão contratual e, por outro, dão clareza a ausência de culpa grave da recorrente, na forma do art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no acréscimo introduzido pela Lei nº 13.655/2018.

11.17. A este respeito, convém destacar entendimento recente do Tribunal de Contas da União, no esforço de demarcar as fronteiras de aplicação das categorias subjetivas que amparam a responsabilização no âmbito do controle externo, em especial quanto à definição do “erro grosseiro” a que se refere aludido art. 28 da LINDB. Confira-se, nesse sentido, o enunciado aderente ao Acórdão nº 63/2023-TCU-Primeira Câmara:

Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, considera-se erro grosseiro (art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 – LINDB) aquele que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que poderia ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância do dever de cuidado. Associar culpa grave à conduta desviante da que seria esperada do homem médio significa tornar aquela idêntica à culpa comum ou ordinária, negando eficácia às mudanças promovidas pela Lei nº 13.655/2018 na LINDB, que buscaram instituir novo paradigma de avaliação da culpabilidade dos agentes públicos, tornando mais restritos os critérios de responsabilização.

11.18. De efeito, ao proceder às notificações a respeito das deficiências documentais concernentes à contratação da empresa Sancil Sanantonio Construtora e Incorporadora Ltda., a recorrente, nada obstante a não detecção da inconsistência em momento precedente à celebração do contrato, denotou conduta de cuidado dissonante ao padrão de negligência, imprudência e imperícia graves que perfaz o erro grosseiro.

11.19. Acolho, por fim, as razões atinentes à impropriedade referente à inconsistência da atividade principal da empresa (coleta de resíduos não perigosos), consignada no alvará de funcionamento da empresa e no alvará sanitário, e a natureza dos serviços adjudicados. É que, conforme suscitado pela recorrente, a menção apenas da atividade principal da empresa nos alvarás de funcionamento e sanitário não obsta a prestação de serviços que constituem atividade secundária da empresa, consoante lista cadastrada na ficha CNPJ como atividades desenvolvidas – Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) pela pessoa jurídica.

11.20. Desta feita, colaciona a recorrente cópia da ficha cadastral e os respectivos códigos e descrição das atividades econômicas secundárias referentes à empresa contratada, evidenciando a sua atuação na “coleta de resíduos perigosos” e no “transporte rodoviário de produtos perigosos”, no que se revela pertinente à justificativa.

11.21. Diante do exposto, coadunando com o entendimento da equipe técnica e, em parcial congruência com a opinião do Ministério Público de Contas, VOTO para que este Tribunal de Contas decida no sentido de:

11.22. CONHECER dos presentes recursos ordinários interpostos individualmente pelas senhoras Eliane Inácio da Silva, Diretora de Compras à época (autos nº 8632/2022) e Elaine Negre Sanches, Superintendente de Administração e Logística Especializada à época (autos nº 8.774/2022), ambas da Secretaria de Estado da Saúde, em face do Acórdão nº 448/2022-TCE/TO-Primeira Câmara, prolatado nos autos do processo nº 10.772/2018 (Inspeção), para, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO, a fim de afastar a responsabilidade das recorrentes e, por conseguinte, excluir as multas aplicadas nos itens 9.4, 9.5 e 9.6 da decisão recorrida, mantendo incólumes os demais termos.

11.23. Determinar à Secretaria Geral das Sessões que, desde logo:

i) encaminhe à responsável e ao atual gestor cópia desta deliberação, bem como do relatório e voto que a fundamentam, por meio processual adequado, em conformidade com o art. 10 da Instrução Normativa TCE/TO nº 01/2012, esclarecendo-se que o prazo recursal se inicia com a publicação da decisão no Boletim Oficial deste Tribunal; 

ii) publique esta Decisão no Boletim Oficial do Tribunal de Contas, na conformidade com o artigo 27 da Lei Estadual nº 1.284/2001 e art. 341, § 3º, do Regimento Interno deste Tribunal, para que surta os efeitos legais necessários, advertindo-se os responsáveis de que o prazo recursal inicia sua contagem na data da publicação;

iii) vincule cópia da presente decisão, bem como do relatório e voto que a fundamentam, nos autos nº 12749/2019 (Auditoria de Regularidade referente ao período de janeiro a setembro de 2019).

11.24. Após o atendimento das determinações supra e ocorrido o trânsito em julgado com a certificação nos autos, sejam estes autos enviados à Coordenadoria do Cartório de Contas para as providências e, em seguida, à Coordenadoria de Protocolo Geral para que, com as cautelas de praxe, proceda ao arquivamento.

Documento assinado eletronicamente por:
DORIS DE MIRANDA COUTINHO, CONSELHEIRO (A), em 31/03/2023 às 17:46:32
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://www.tceto.tc.br/valida/econtas informando o código verificador 268395 e o código CRC 6EEB86C

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